Antes de qualquer coisa, é preciso ressaltar não apenas a importância, como também a necessidade de se afastar todo e qualquer julgamento moral e religioso atribuído ao sexo, quando se trata de discussão social, política e jurídica acerca do trabalho sexual.
E foi justamente partindo desse pensamento que, em 2014, a 6ª Turma do STJ, a partir do voto do Relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz, ao se despir dos julgamentos morais, julgou o HC em favor de uma trabalhadora sexual acusada de roubo ao se apropriar de uma corrente folheada a ouro pertencente ao seu cliente, que por sua vez, não pagou pelo serviço consumido.
Vale ressaltar que, na sentença de 1º grau, a profissional havia sido condenada pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do Código Penal. Um tipo de “justiça com as próprias mãos” quando quem o pratica entende ter sofrido violação de um direito próprio.
Contudo, essa sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Tocantins, atribuindo a conduta da profissional do sexo como roubo, ou seja, um crime mais grave, cuja punibilidade é muito maior que o primeiro crime a que ela havia sido condenada.
A justificativa do TJTO foi que “o estado não deve estimular a prostituição como uma atividade”. Esse tipo de argumento só evidencia o despreparo em que ainda há por parte de alguns agentes do Poder Judiciário, que infelizmente, detêm em suas mãos o poder de julgarem os casos sob as suas próprias perspectivas morais.
Ao que nos consta, para esse julgador, é muito mais “digno e moral” em sua consciência, atribuir o adjetivo de ladra e encarcerar mais uma mulher no sistema prisional pelo crime de roubo, do que reconhecer que ali se tratava de uma mulher, cidadã e trabalhadora sexual fazendo jus ao seu direito em ser remunerada pelos serviços prestados.
Acontece que, a sensatez da 6ª Turma do STJ, ao emitir pensamento contrário à sentença e em favor da profissional do sexo no julgamento do Habeas Corpus, criou precedente reconhecendo o direito dessas trabalhadoras cobrarem judicialmente os valores não pagos pela prestação dos seus serviços. Prova disso é que temos um recente julgamento neste sentido, desta vez proferido no Tribunal de Justiça de São Paulo, que deu provimento a uma ação de cobrança em decorrência de serviços sexuais.
Neste caso, mais uma vez um Tribunal reformou a sentença de 1º grau, pois esta rejeitou a proteção jurídica a um trabalhador, extinguindo a ação e negando-lhe seguimento sob a alegação de que o negócio jurídico não possui as características exigidas para sua validade, visto que o objeto requerido (pagamento do serviço sexual prestado) não é lícito e ofende aos bons costumes e à moral.
Podemos observar mais um agente do poder judiciário que não separa a moral do direito ao julgar seus casos. Decerto, mais um julgador que não possui conhecimento sobre o trabalho sexual estar inserido na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, junto ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, como uma atividade de ocupação, muito menos a existência do entendimento por parte de um Tribunal Superior (STJ), que criou uma jurisprudência sobre o tema.
Por fim, o trabalho sexual é uma prestação de serviço que possui legitimidade para ser cobrado judicialmente por parte de todos(as) profissionais do sexo que se sentirem lesados pela quebra do contrato verbal firmado com seus clientes. Sendo, portanto, dever do estado dar segurança e proteção jurídica a essas profissionais, como também perceber e acompanhar as transformações de uma sociedade que não é estática, e que possui comportamentos e discursos mutáveis no tempo e no espaço.
REFERÊNCIAS:
APELAÇÃO Nº 1006893-49.2020.8.26.0079 – SP.
ACÓRDÃO REGISTRO: 2021.0000217939 – SP.
HABEAS CORPUS Nº 211.888 – TO.