Essa semana, uma amiga passou pela seguinte situação: ao tentar embarcar com seu cão de apoio emocional em uma famosa companhia de ônibus, foi barrada. Se você não sabe, existe uma lei que garante esse direito, desde que sejam apresentados alguns documentos. No caso dela, todas as exigências haviam sido cumpridas, exceto uma: ela não foi “adestrada” o suficiente para interagir com o motorista do ônibus. Não estou falando do cachorro. Estou falando da minha amiga.
Explico: numa viagem anterior, o motorista se irritou porque o cachorrinho latiu por exatos 10 minutos e depois ficou em silêncio pelas próximas sete horas de viagem. O motorista lembrou disso e, alegando ter havido reclamações por parte dos passageiros naquele dia, não permitiu que ela embarcasse dessa vez, ainda que estivesse em seu pleno direito. Ela disse que chamaria a polícia, e ele fechou a porta na cara dela para que não entrasse. Não houve outra saída senão se posicionar na retaguarda do ônibus para impedir que ele saísse, enquanto aguardavam a polícia. Tudo isso num clima pesado de irritabilidade e pressão.
Ela só conseguiu embarcar quando seu padrasto conversou “de homem para homem” com o motorista, garantindo que correria tudo bem na viagem e que aquilo tudo não passava de um mal-entendido.
O veredito no tribunal das amigas foi que, se ela tivesse reagido com docilidade e implorado para o motorista deixá-la embarcar, nada disso teria acontecido. Mesmo que estivesse em seu direito, aquele motorista se sentiu ultrajado com o tom de voz impositivo da “mocinha” e decidiu que a colocaria em seu lugar.
Isso me fez pensar nas centenas de vezes que passei por situações parecidas e me relembrou da época de acompanhante, em que eu recebia mensagens nojentas de supostos clientes que achavam que eu devia ser gentil no matter what. Abordagens sem um pingo de educação, sem um “bom dia”, apenas a arrogante certeza de que uma vadia paga pode ser abordada de qualquer jeito, porque seu trabalho é foder e sorrir.
Na maioria das vezes, eu só ignorava as solicitações grosseiras e bloqueava quando eram insistentes. Lamento não ter conhecido a Paula Assunção naquela época e aprendido a lidar com essa escória com a mesma sagacidade e perspicácia com que ela lida.
Se você, caro leitor, ainda não a segue nas redes sociais, recomendo fortemente que o faça. Dou gargalhadas com as tiradas inteligentes que ela dá nos clientes sem noção e fico envergonhada por eles, que recebem não uma resposta polida e cordial de quem supostamente precisa daquele trabalho, mas um belo tapa na cara de quem não é, nem nunca será, dócil e domesticada.
Particularmente, ainda luto internamente para não me culpar quando sou “rude” com alguém. Tento me lembrar de que o mesmo comportamento, se performado por um homem, não causaria o menor estranhamento. Minha amiga — a mesma que passou pelo perrengue do ônibus — tem um mantra que venho tentando instituir: “devolver o constrangimento causado pelo outro com um constrangimento ainda maior”. Dá um pouco de vergonha no começo, mas é bom demais ver a cara de palerma de um homem que não esperava ser contrariado. Ele jamais admitirá, mas certamente pensará duas vezes antes de falar idiotice para alguma mulher, presumindo que ela não reagirá. Só de pensar que causei esse desconforto na vida de um macho tóxico, já valeu o aborrecimento.
Recomendo o exercício, meninas. É revitalizante.
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