Berlim acaba de inaugurar o bordel mais futurista – e, por que não dizer, mais distópico – que se poderia imaginar: um lugar onde o cliente paga não apenas pelo prazer, mas pela garantia de jamais ouvir um “não”. Bonecas hiper-realistas, equipadas com Inteligência Artificial, falam, gemem e obedecem sem hesitação. São programadas para satisfazer fantasias sem a menor sombra de complexidade emocional – uma utopia para quem acha que a recusa é um defeito.
Mas o que essa “revolução” está nos dizendo sobre a nossa sexualidade? Talvez mais do que gostaríamos de admitir. Ali, o “prazer” não tem nada a ver com o risco erótico de um encontro humano. Ele vira uma mercadoria automatizada, livre de consentimento e surpresa. Um simulacro perfeito, onde a fantasia de dominação é literal: ela é feita de plástico e circuitos, e seu único script é a obediência.
É curioso como o bordel de bonecas de Inteligência Artificial encarna o fetiche contemporâneo de consumir o outro sem lidar com ele. Porque lidar com o outro cansa: ele tem limites, vontades, silêncios, contradições. A boneca, por outro lado, não questiona – ela performa. É o produto final de um desejo de controle total que tem se infiltrado no sexo desde que a pornografia se tornou onipresente e as conexões humanas, cada vez mais descartáveis.
Michel Foucault diria que o prazer está indissociavelmente ligado ao poder. E o que vemos aqui é o poder despido de qualquer delicadeza: um poder que não negocia, não compartilha, apenas consome. Para Foucault, o poder não está apenas nas instituições, mas nos corpos e nos desejos que regulam – ou, no caso, programam. Aqui, o corpo do outro foi finalmente transformado no objeto perfeito de dominação: moldado para obedecer, para nunca recusar, para existir apenas como reflexo de quem paga.
Eis a ironia: o futuro do sexo parece cada vez mais parecido com um monólogo. Um teatro solo onde o outro é apenas um eco programado para nos devolver o que queremos ouvir – e nada mais. E a gente aplaude, paga caro, mas sai de lá tão vazio quanto entrou. No fundo, essa tecnologia de prazer programado revela um medo pavoroso: o de lidar com o outro como sujeito. Preferimos a boneca que geme no ponto certo a alguém que possa nos recusar. Preferimos a fantasia sem falha à realidade incômoda do encontro.
É a utopia da obediência – ou a distopia de uma sexualidade sem reciprocidade, sem consentimento real, sem humanidade. Um prazer que promete muito e entrega pouco: apenas o reflexo do nosso próprio narcisismo. No final das contas, o bordel de bonecas de IA é menos sobre prazer e mais sobre poder. E sobre um futuro em que a liberdade sexual se confunde perigosamente com a solidão programada.
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