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Vida fácil? Nem pensar!

Vida fácil? Nem pensar!

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Redação josef.santos

3 minutos de leitura

Falar sobre a fase que fui acompanhante é um dos assuntos que mais gosto de conversar. Uma questão muito bem resolvida dentro de mim. 

Brinco dizendo que fui “puta raiz”, mas todas brincadeiras têm um fundo de verdade. Na minha época, em 2002, internet ainda era mato, rede social era apenas Orkut e a comunicação a distância com a tecnologia mais avançada era por MSN. Ou seja, fazer programas era algo desafiador tanto para a divulgação de fotos e informações sobre o atendimento que oferecia, como para me comunicar com os clientes, o que acabava sendo por SMS ou simplesmente telefone. 

Estamos falando de 21 anos atrás, quando sexo era um tabu gigantesco e prostituição era a escória da humanidade. A sociedade não enxergava o lado humano das acompanhantes e, por conta disso tudo, elas se escondiam. Nāo existia uma referência para nos inspirarmos e nos dar coragem de enfrentar a prostituição. Precisei me jogar literalmente na escuridão e em toda curiosidade que alimentava dentro de mim para fazer sexo em troca de dinheiro. 

O mundo da prostituição era algo tão misterioso que eu acreditava que existiam acompanhantes apenas nas ruas, como a tão conhecida Rua Augusta aqui em São Paulo. Então quando me deparei com anúncios em um jornal contratando mulheres para atender executivos e fui conhecer tais lugares, me surpreendi com a quantidade de opções que eu nem imaginava que existiam. O lado do luxo acreditava que existia apenas em filmes gringos. Conheci privês, boates, clínicas de massagem, flats. Escolhi começar por um privê. Foi onde melhor me encaixei e consegui me imaginar trabalhando com segurança e tendo mais vantagens. 

Foi uma decisão totalmente minha, sem ser influenciada por alguém. Eu apenas tinha a cara, a coragem e a vontade de fugir da casa dos meus pais aos 17 anos, sendo que a opção mais rápida naquele momento foi cobrar por sexo. 

Não posso dizer que ser acompanhante nos tempos atuais, com toda a tecnologia avançada, seja mais simples, pois acredito que cada geração enfrenta as dificuldades do momento. A prostituição nunca será flores, por isso sempre será injusto ser considerada como a tal “vida fácil” até mesmo porque, se assim fosse realmente, todas mulheres seriam. 

Continuando sobre a minha época, até mesmo os meios de pagamento do cachê eram bem limitados: apenas dinheiro ou cheque. E o tanto de prejuízo que tive com notas falsas e cheques sem fundo (e até mesmo roubados!!!)? Não gosto nem de lembrar disso! Era preciso confiar, não existia outra escolha. Mas praga de puta, Deus escuta!!! Ainda bem!

O lado bom que vivi foi o fato dos haters não terem muitas opções para atacarem. Eles já existiam escondidos atrás de uma tela, mas mal conseguiam ser notados. Para ser hater naquela época que principalmente ter um perfil fake não era algo tão simples, eles precisavam ser muito corajosos, algo que eles passam longe de ser. Atualmente, como a prostituição e a vida de acompanhantes já se tornou algo mais normal para a sociedade discutir, percebo o quanto os fiscais da vida alheia brotam de onde nem imaginamos. Ser acompanhante é algo que sempre incomodará a sociedade, ainda mais quando ela não esconde que exerce a função e por isso mesmo se torna fácil um alvo de todas frustrações de pessoas que fazem parte da sociedade tradicional brasileira. 

Eu não me arrependo por ter escolhido ser acompanhante dos meus 17 aos 20 anos. Foram três anos intensos, muito bem vividos, entre erros e acertos, com boas lembranças e uma bagagem gigante não apenas sexualmente falando. E cada uma tem seu próprio tempo para parar, cada uma sabe até onde quer chegar ou até onde é capaz de aguentar. Cada uma tem seu próprio limite. Independente de tempo, não podemos ter vergonha nem carregarmos culpa por nossas escolhas. 

O preconceito embora seja menor, nunca deixará de existir. E a gente que lute. Aliás, é uma luta pela qual sempre levantarei a bandeira. 

Sobre a autora
Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, é escritora e ex-acompanhante. Desde maio de 2023, escreve contos duas vezes por mês para o Fatal Blog.

https://fatalprod.josef.com.br/blogcolunistas/frutos-do-trabalho/
https://fatalprod.josef.com.br/blogcolunistas/quando-a-acompanhante-e-a-namorada-sao-a-mesma-pessoa/

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