Há poucas semanas, tivemos o ENEM, que mais uma vez trouxe como tema para a redação um assunto instigante, e que gerou uma série de debates na sequência do exame. O tema da redação foi Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidados Realizado pela Mulher no Brasil. Eu quero começar esse texto que marca minha (re)estreia como colunista no Fatal Blog falando disso, que é um tema tão caro a todas nós, mulheres – e especialmente caro a nós, acompanhantes, que não raro temos a condição de trabalho da atividade que exercemos negada.
A invisibilidade do trabalho das mulheres perpetua desigualdades de gênero. O trabalho doméstico, majoritariamente realizado por mulheres, é frequentemente subestimado e não remunerado. Além disso, setores como o de cuidados e serviços, nos quais as mulheres também são predominantes, são muitas vezes desvalorizados. Isso contribui para disparidades salariais e limita as oportunidades de avanço profissional para as mulheres. Reconhecer e valorizar essas contribuições é crucial para promover a igualdade de gênero e eliminar a invisibilidade que muitas mulheres enfrentam em seus esforços diários.
Mas a invisibilidade do trabalho das mulheres se estende a diversas esferas, incluindo aquelas envolvidas em atividades consideradas não convencionais, como é caso do trabalho sexual. É aí que o tema da redação do Enem nos toca, e por isso veio parar nesta coluna. Sexo é também um trabalho de cuidados, um dos tantos trabalhos historicamente exigidos das mulheres sem que nada lhes seja pago (sobre este tema, eu sempre indico o artigo de Silvia Federici1 chamado Por que Sexualidade é um Trabalho, onde ela argumenta muito bem sobre como somos desde muito jovens condicionadas a agradar o sexo oposto, e de que modo isso acaba caracterizando um trabalho. É dela a frase “Isso a que chamam de amor nós chamamos trabalho não pago.
Não reconhecer a prostituição como um trabalho legítimo contribui para a marginalização das pessoas que a exercem, trazendo consequências como a negação de direitos laborais, falta de apoio social e estigmatização. Essa invisibilidade também pode impedir o acesso adequado a serviços de saúde e segurança, expondo as pessoas envolvidas em trabalho sexual a riscos adicionais. Reconhecer a diversidade de trabalhos desempenhados por mulheres, incluindo o trabalho sexual, é essencial para combater desigualdades e promover a igualdade de gênero em todas as esferas. Reconhecer a prostituição como trabalho é um passo para melhorar as condições de trabalho e garantir direitos para todas as mulheres envolvidas nessa atividade.
Trabalho sexual é trabalho! Considerou esse contexto na sua redação do ENEM?
- Federici é uma filósofa e feminista italiana radicada nos Estados Unidos e que nos anos 70, organizou um movimento sobre salários para trabalho doméstico (o exercido pelas donas de casa). ↩︎