>
>
Eu vou tirar você desse lugar…

Eu vou tirar você desse lugar…

Foto de Redação josef.santos

Redação josef.santos

2 minutos de leitura

Provavelmente, você já ouviu esse hino do mestre da sofrência, Odair José. Na música Eu vou tirar você desse lugar, o eu lírico narra seu encontro amoroso com uma mulher da vida, numa noite em que precisa de acolhimento para esquecer os problemas. Arrebatado pela moça, ele retorna novamente ao puteiro. Dessa vez, não para ser consolado, mas porque foi tomado pela saudade dela. Obstinado, ele decide tirá-la desse lugar, afirmando que enfrentará o preconceito da sociedade e que o passado deixará de existir, pois o amor oblitera tudo.

Muito antes de eu mesma ser uma mulher da vida, me perguntava, ao ouvir essa música, se esse homem teria perguntado à moça qual era o desejo dela. Será que era vontade dela deixar aquele lugar? Mudar de nome e endereço? Esquecer tudo o que havia sido até ali?

É uma presunção social universal achar que a puta precisa ser salva, que ela queira ser salva. Afinal, trata-se de uma coitada. Vive explorada, marginalizada, e serve às artes do amor por pura necessidade. Sempre pensei que esse olhar reflete a necessidade do outro de explicar um fenômeno que ele simplesmente não consegue compreender sob outra ótica: a do desejo. É desconfortável aceitar que alguém possa gostar de cobrar por sexo, especialmente quando o próprio testemunho é o infortúnio de uma infinidade de transas ruins e não remuneradas. Aceitar que uma puta pode gozar mais que você — mesmo que seja apenas pelo dinheiro — é o maior símbolo de ultraje na sociedade doriana. É muito mais conveniente marginalizar essa personagem e rejeitar todos os desconfortos que ela possa causar.

Tudo isso pra dizer que, ao longo da minha vida, todos — ou quase todos — os homens com quem me relacionei presumiram que eu precisava ser salva e, com estratégias mais ou menos sofisticadas, tentaram me mostrar isso incansavelmente.

No meu mestrado, pesquisei a relação de culpa e prazer no discurso das prostitutas, e minha conclusão foi que elas se mostravam satisfeitas com a vida que levavam até que aparecesse um homem para lhes dizer que não era bem assim. Veja: era preciso constituir família, ter ao lado um homem de valores que pudesse conduzi-la pelo reino do socialmente aceito. Curiosamente, a partir do encontro amoroso, a vida delas desmoronava ruidosamente. Paravam de trabalhar, gastavam todas as economias e se viam à mercê das vontades do outro, esvaziando-se de si mesmas. Em quase todas as histórias que ouvi, os homens se “cansavam” dessa dinâmica ao perceber que finalmente haviam alcançado seu objetivo: apagar o brilho dessas mulheres.

A questão fundadora que continua a permear meus pensamentos e estudos é: por que uma mulher que transforma sua sexualidade em uma estratégia de poder incomoda tanto a sociedade e, em especial, esse tipo de masculinidade da qual vos falo hoje? Talvez porque os homens, a despeito de todos os privilégios, ainda não conseguiram instrumentalizar a própria sexualidade? Ou porque a cabeça de baixo continua a dominar a cabeça de cima? Pura inveja das xoxotas de ouro? Caros leitores, me ajudem a desvendar esse mistério.


Tirar dessa vida? Gostou dessa reflexão sobre sexualidade feminina e o impacto da masculinidade na liberdade das mulheres? Acompanhe nossa colunista Gabi Benvenutti nas redes sociais clicando aqui. Leia também:

https://fatalprod.josef.com.br/blogcolunistas/voce-tambem-e-uma-mulher-ou-homem-da-vida/

Filtre por título

Compartilhe este artigo:

Assine nossa newsletter
para receber mais conteúdo