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A LITERATURA PRODUZIDA POR PROSTITUTAS NO BRASIL

A LITERATURA PRODUZIDA POR PROSTITUTAS NO BRASIL

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Redação josef.santos

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Observando a crescente publicação de livros escritos por mulheres trabalhadoras sexuais brasileiras, atualmente percebemos que a prostituta tem deixado de ser representada sob a ótica de escritores homens, como em geral ocorria no passado, e passa a escrever sobre si mesma. Isso contribui, entre outros aspectos, para uma maior abertura ou democratização do campo da literatura na contemporaneidade.

Antes de pensarmos a escrita das prostitutas como literatura, é preciso refletir sobre a divisão no espaço literário. Temos a literatura tradicional, ou seja, o cânone literário, e a literatura periférica e marginal, que por sua vez vem quebrando paradigmas e dando voz a grupos minoritários como às prostitutas.

Literatura Marginal: Vozes da Resistência e Representatividade

No Brasil, a literatura marginal nasceu a partir da década de 1970, como mais uma manifestação de resistência às diversas censuras impostas pela Ditadura Militar, além do preconceito social direcionado a grupos colocados à margem da sociedade, como por exemplo, pessoas que residem em favelas, homossexuais, negros e prostitutas. Portanto, a literatura marginal é um espaço de voz para escritores invisibilizados e socialmente silenciados, e tornou-se um movimento literário que relata histórias e experiências desses grupos.

A pesquisadora e crítica literária brasileira Regina Dalcastagnè entende que, a partir do momento que alguém é representado por um escritor ou escritora, esse alguém assume um “lugar de outro”, ficando de certo modo silenciado. Tal condição leva a questionar: quem é, afinal, esse outro, que posição lhe é reservada na sociedade, e o que seu silêncio esconde? Considerando que a mulher prostituta ocupou (ou ainda ocupa) durante muito tempo essa posição de “o outro silenciado”, o silêncio imposto às mulheres prostitutas é agora rompido com a produção das suas próprias narrativas.

A escrita de si das prostitutas é mais um mecanismo de luta e desconstrução dos estigmas sociais, uma maneira de trazer a realidade individual de cada uma, retirando essas trabalhadoras da clandestinidade. Cada vez mais temos a oportunidade de conhecer a prostituta que pensa, fala e escreve sobre si mesma, inclusive nos espaços acadêmicos. Decerto que, a era digital contribuiu para o despertar dessa autorrepresentação literária, sendo a internet mais um espaço possível de ocupação e ativismo das prostitutas.

A Prostituta na história da Literatura

Ao longo da história da literatura, observamos que a figura da prostituta serviu de inspiração para muitos escritores que trouxeram em suas publicações romanescas diversas personagens a partir das suas próprias perspectivas. A personagem da mulher que se prostitui também foi muito representada na arte por pintores, fotógrafos e escultores.

Mas essa realidade que limita os caminhos de produção material da prostituta e ignora a sua capacidade intelectual, começa a mudar no Brasil já na década de 1970 com o discurso político de Gabriela Leite e a criação do movimento social de prostitutas, que vem abrindo novos espaços de visibilidade a essas mulheres. Autora de duas obras autobiográficas, Gabriela Leite produziu sua primeira literatura “Eu Mulher da Vida” em 1990, no auge do seu ativismo em defesa dos direitos das trabalhadoras sexuais. Em 2009, publicou “Filha, Mãe, Avó e Puta”, seus livros são carregados de discursos políticos e denúncias contra a violência na ditadura militar, além de trazer relatos de sua experiência sexual com clientes, sua relação com colegas de profissão e cafetões.

Depois de Gabriela Leite, a maioria das obras literárias publicadas por prostitutas no Brasil revelam relatos de suas vidas pessoais, amorosas e familiares, os motivos que as levaram à prostituição e as suas experiências sexuais com os clientes. E as profissionais do sexo mais contemporâneas não pararam na primeira publicação, deram continuidade à escrita publicando ainda uma segunda obra oferecendo dicas e orientações sexuais para o público em geral e também a realização de workshop para aprimorar os relacionamentos, como no caso da ex prostituta Lola Benvenutti, autora dos livros “O Prazer é todo Nosso” e “Por que os Homens me Procuram”, e também Bruna Surfistinha, autora dos livros “O Doce veneno do Escorpião” e “O que aprendi com Bruna Surfistinha”.

Monique Prada e a Revolução Putafeminista

Em 2018 surge uma nova forma de literatura, o Livro Putafeminista, publicado pela escritora, ativista e trabalhadora sexual Monique Prada. Foucault afirma que “A escrita que ajuda o destinatário arma aquele que escreve – e eventualmente terceiros que a leiam”, sendo assim, pode-se considerar a obra Putafeminista como uma literatura revolucionária no grupo das prostitutas, já que antes nenhum livro pensado, escrito e publicado por uma prostituta brasileira, chamou tanto a atenção da sociedade tendo como foco o trabalho sexual como trabalho. A literatura de Monique Prada se distingue de tudo o que já foi publicado por trabalhadoras sexuais, ela escreve sobre si como todas as prostitutas escritoras vêm fazendo, mas não divulga o que tão e somente se presume encontrar nas palavras e na escrita de uma prostituta.

Prostitutas como sujeitos de Histórias e Políticas

A literatura de Monique Prada revela que a prostituta é capaz de escrever para além de suas práticas sexuais, trazendo discussões para que a sociedade civil possa compreender e enxergar o trabalho sexual por outra perspectiva

fora dos estigmas, como também o espaço ocupado pela prostituta na sociedade. Sobretudo, mostra a prostituição como pauta de um debate político que necessita de ajustes na sua estrutura social, ela chama a atenção de outras prostitutas para a importância de se posicionar como trabalhadora ativista nas reivindicações do movimento, e conscientiza que uma profissional do sexo pode adotar um discurso político e feminista.

Claramente, a obra putafeminista surge como um instrumento de denúncias para retirar a figura da prostituta da subalternização e colocá-la como sujeito pensante e protagonista da própria história, sendo assim, a prostituta que antes era falada, agora fala.


Gostou do texto? Conheça a autora, Frida Carla

https://fatalprod.josef.com.br/blogcolunistas/a-importancia-de-me-assumir-como-acompanhante/

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