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O MEDO QUE A PORNOGRAFIA AINDA GERA

O MEDO QUE A PORNOGRAFIA AINDA GERA

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Redação josef.santos

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Quem acompanha o ativismo putafeminista já deve estar familiarizado com a frase “se eu não posso cobrar por sexo, essa não é a minha revolução”, da liderança argentina Georgina Orellano, autora do livro Puta feminista: Historias de una trabajadora sexual (2022). É nessa frase que estou pensando quando começo a presente coluna, sobre a necessidade de construirmos um novo olhar não só sobre o sexo pago, como sobre a própria sexualidade (e tudo que a envolve).

Já lá se vão 8 anos desde os tempos em que eu exercia o trabalho sexual no Jardim Itatinga em Campinas, lidando diretamente com os clientes, suas fantasias e comportamentos. Vivi coisas incríveis e terríveis lá, todas elas narradas em detalhe na minha autobiografia E se eu fosse puta (que recentemente ganhou nova edição pela n-1 edições), e desde então não tenho sentido muita vontade de estar presente nessa modalidade específica de trabalho sexual (basicamente por preguiça de lidar com homens), o que não significa de forma alguma que eu não esteja aprontando das minhas. A questão é que, agora, outro campo do trabalho sexual tem ocupado as minhas atenções: o da produção de conteúdos eróticos para as redes virtuais.

Sim, a indústria da pornografia é um dos ramos que mais movimenta dinheiro desde o surgimento da internet, mas esse pornô não é exatamente o que me interessa, massificado, com remuneração minguada para quem o exerce e com condições de trabalho muitas vezes precárias. Me refiro às produções autorais, caseiras em boa medida, e que têm se tornado cada vez mais populares nos últimos anos, sobretudo desde a pandemia. O isolamento forçado levou muita gente a embarcar nessas produções, seja para tentar ganhar um dinheiro extra, seja pelo próprio prazer de produzir tais conteúdos, mas esse movimento obviamente não surgiu agora.

Mesmo em espaços progressistas, o discurso dominante ainda é o que demoniza qualquer forma de produções eróticas, o que não tem evitado que as mesmas se façam cada vez mais presentes em nossas vidas (os packs do pezinho que o digam). Quem sabe essa presença não nos ajude a colocar a pauta do trabalho sexual na ordem do dia, por novas perspectivas. Se o sexo e o tesão são tão centrais para a nossa existência, qual o sentido de negar que possamos fazer disso o nosso ganha-pão ou que possamos produzir conteúdos com a nossa cara, com as nossas digitais? Por que a experiência de criar representações audiovisuais para a sexualidade deveria ser tão assustadora? Transar é sem dúvida algo excepcional, mas brincar com as possibilidades que esses conteúdos propiciam pode ser tão prazeroso quanto.

Além de lucrativo, pois, se soubermos criar canais eficientes de divulgação desse material, seria possível até vendê-lo para clientes gringos e receber pagamentos numa moeda muito mais valorizada do que a nossa. Em especial quando estamos falando de práticas fetichistas e BDSM, visto que o público consumidor das mesmas, no Brasil, ainda é minguado, mas fora daqui há grande interesse nessas produções. Todo cuidado é pouco, no entanto: não exatamente pelos riscos que tais conteúdos trariam, mas sim pelo moralismo vigente, que insiste em tratar a sexualidade humana como um grande tabu e em estigmatizar quem faça do sexo uma fonte de renda, uma forma de trabalho.

Parafraseando Georgina, se não posso fazer meu próprio pornô (e vendê-lo, se eu assim desejar), essa não é a minha revolução.

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