Acho que uma coisa que toda acompanhante já ouviu, de forma bem irônica, é a seguinte frase: “Você deve ser o orgulho da família.” Obviamente, referindo-se à vergonha que a família deve sentir por sermos trabalhadoras sexuais. Recentemente, prestes a estar no palco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre, com a peça Meretrizes, onde faço uma participação, me peguei pensando sobre essa coisa de ser “orgulho da família”. Acho que, por mais que a gente não queira, é quase automático esperar um aplauso ou ao menos um leve tapinha nas costas de um pai ou uma mãe quando fazemos coisas grandiosas, mesmo depois de adultos. Foi difícil admitir, mas eu senti falta disso por esses dias. Vou contar por quê.
Para vocês entenderem o contexto, essa peça que mencionei acima, Meretrizes, é um teatro documental que conta a vida de algumas acompanhantes, inclusive a minha, que é encenada no palco. Ao final da peça, eu respondo perguntas da plateia sobre o universo do trabalho sexual. E essa apresentação no Theatro São Pedro mexeu muito comigo. Quando eu era criança, via meus pais saírem para visitar esse lugar com certa frequência. Eu sempre achei teatros muito elegantes, ambientes frequentados por “pessoas respeitáveis”, direitas, gente de família. Depois de adulta, comecei a frequentar também. Na minha cabeça, estar lá dentro me tornaria alguém assim também: culta, elegante, praticamente a mulher pra casar.
Quando me tornei acompanhante, senti ainda mais necessidade de estar nesses ambientes. Acho que eu tentava compensar as coisas, sabe? Algo tipo: “Ela trabalha com sexo, mas estuda, mas vai ao teatro, mas isso, mas aquilo.” Sem notar, com muita consciência, passei anos tentando buscar algo que equilibrasse eu ser quem sou com a pessoa que meus pais gostariam que eu fosse — numa busca inútil por me tornar, sem ironias, o orgulho da família.
O que mais ouço, inclusive de clientes, é que tudo bem eu ser acompanhante, contanto que eu esteja estudando e sempre buscando algo melhor. A verdade é que as pessoas aceitam essa profissão só quando o objetivo é sairmos dela o mais rápido possível. E a gente passa a embarcar nisso. Porque é tão horrível assim eu querer construir uma carreira como acompanhante? E se eu quiser atender clientes até meus 70 anos? Por que as pessoas se importam tanto com até quando eu estarei nesse lugar?
Essa busca incessante por ser motivo de orgulho às vezes nem é frustrada por conta das nossas escolhas, mas sim porque essas pessoas das quais almejamos tanto um parabéns não sentem orgulho nem de si próprias. Vivem com sonhos frustrados e jamais serão capazes de aplaudir outra pessoa. Foi por isso que desisti de ganhar uma estrela na testa de certos familiares. Independente de quem eu seja, jamais serei suficientemente bem-sucedida.
E voltando ao palco do Theatro São Pedro, um lugar que existe desde 1858, me peguei pensando… Será que vou ser a primeira acompanhante a pisar naquele palco? Acho que assumidamente, talvez eu seja. Desde que o mundo existe, nos empurraram para debaixo do tapete, nos varreram das ruas como lixo, nos mataram, torturaram, aprisionaram e usaram de tantas formas que nem posso imaginar. E em 2025, eu e outras mulheres seremos vistas, sob os holofotes, sem vergonha de ser quem somos. Nós certamente faremos história.
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