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Pobres Criaturas – o que o filme tem a ensinar sobre trabalho sexual

Pobres Criaturas – o que o filme tem a ensinar sobre trabalho sexual

Foto de Redação josef.santos

Redação josef.santos

4 minutos de leitura

A sexualidade feminina vem sendo bastante abordada pelo cinema com diversos pontos de vista, mas que em sua maioria são carregados da nem tão boa e velha moral e dos bons costumes. Recentemente, fui assistir ao filme “Pobres Criaturas” (Poor Things, 2023), que recebeu 11 indicações ao Oscar e acabou levando 4 estatuetas (confesso ter comemorado muito a vitória de Emma Stone). Este filme aborda a sexualidade feminina com uma perspectiva empoderada e libertadora em relação ao trabalho sexual.

Se você ainda não ouviu falar dessa obra prima, segue uma breve sinopse, por enquanto, sem spoiler: A jovem Bella Baxter (Emma Stone) é trazida de volta à vida pelo cientista Dr. Godwin Baxter. Querendo ver mais do mundo, ela foge com um advogado e viaja pelos continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella exige igualdade e libertação. Dito isso, o objetivo deste texto não é ser nenhuma crítica de cinema, afinal nem sou capacitada para tal, já que sou uma mera espectadora, mas trazer meu olhar como profissional do sexo após assistir um filme que traz a prostituição com uma perspectiva que, na minha opinião, é empoderada e libertadora, algo raríssimo de se ver no cinema e em qualquer lugar se tratando do trabalho sexual.

Confira o trailer de Pobres Criaturas

Seja polida, Bella

Agora vamos aos spoilers. A personagem de Emma Stone é encontrada morta após cometer suicidio, e estava grávida. O cientista que a encontra decide então retirar o cérebro do seu bebê, e colocá-lo dentro da cabeça de Bella, sim, eu sei, algo totalmente impossível, mas estamos falando de ficção, deixemos a parte lógica de lado. Bella então precisa aprender e descobrir o mundo como faria uma criança, porém no corpo de uma mulher, e o que mais faz refletir nesse processo é como nós viveríamos, em poder de um corpo maduro e de tomar as próprias decisões, mas com a inocência, curiosidade e despreocupação de uma criança. Quantas vezes fazemos, comemos e falamos coisas das quais detestamos por puro polimento social e para nos mantermos dentro de padrões de comportamento que nos são impostos? Bella encanta por não ligar para nada disso, principalmente no que diz respeito a sua sexualidade. 

“Bella precisa de dinheiro e saltos furiosos”

Quem assistiu Pobres Criaturas certamente passará, assim como eu, a incluir o termo “saltos furiosos” como Bella se refere à seus orgasmos, em seu próprio vocabulário. Ela descobre o prazer sexual sozinha, livre de pudores e preconceitos, desvenda o próprio corpo com inocência e curiosidade, e isso a leva a querer mais. Após alguns percalços descobrindo o mundo ao lado de um homem que passa a tentar reprimir sua sexualidade e desejo de aventura, Bella vai parar em Paris, sem dinheiro nenhum, e então um Bordel lhe surge como oportunidade.

À primeira vista percebi que os outros espectadores no cinema, principalmente as mulheres, faziam cara e sons de repulsa quando essas cenas começaram, o que mudou bastante com o desenrolar do filme. Acho que sei porque. A prostituição para quem não conhece, principalmente aquela vivida dentro dos Bordéis, tem fama de ser apenas uma coisa: sofrida, e não que não seja, mas nada é uma coisa só. Bella passa a ter suas experiências como prostituta, e mesmo não sendo sexualmente agradáveis, ela procura encontrar algo interessante em cada homem que atende, e procura, principalmente, formas de ela própria sentir mais prazer tanto físico como psicológico, e ainda estender isso ao seu cliente.

Invertendo a dinâmica

Há uma cena de Pobres Criaturas onde ela questiona a cafetina do porque ao invés do homem escolher qual mulher irá atendê-lo, não ser o contrário, assim evitaria que a profissional transasse contra sua vontade e o homem não estaria com alguém que sente repulsa por ele. Ela é respondida com a seguinte frase “alguns homens gostam de saber que você não está gostando”. Eu como mulher infelizmente preciso concordar, mas estes homens estão presentes muito mais em lares comuns do que em Bordéis. Dito isso, claramente a percepção do público a minha volta mudou de “meu Deus, que horror, ela vai se prostituir” para “nossa! Que mulher forte, decidida e empoderada”.

E não é a prostituição exatamente que traz essa mudança de pensamento, mas a percepção do espectador de que uma mulher pode usar seu corpo como bem entender e com consentimento, e não levar desaforo pra casa nem se sentir ofendida ao ser chamada de puta, e ainda sentir-se forte, dona de si e da sua independência.

“Somos nosso próprio meio de produção”

O olhar prático de Bella diante do problema: “estou sem dinheiro, gosto de sexo, posso ganhar dinheiro com isso e ainda talvez ter prazer”, é o mesmo olhar que todos temos sobre algum ponto de nossas vidas, mas quando se trata de sexo passa a ser um problema moral. Porque uma confeiteira pode gostar de fazer bolos e decidir vendê-los, mas uma mulher que gosta de sexo não pode vender este serviço? E mais estranho ainda é que todos olham, apontam e julgam a prostituta, mas ninguém pensa que o homem que a procura muitas vezes é casado, a maltrata, às vezes nem banho toma. Se a questão toda é que a prostituição é imoral, porque os clientes não entram no pacote da imoralidade, do preconceito e até do ódio? Porque são homens? Se existem prostitutas é porque existe quem as contrata.

Gostou da análise de Pobres Criaturas? Leia mais da Colunista Paula Assunção:

https://fatalprod.josef.com.br/blogcolunistas/uma-linda-mulher/

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