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PUTATIVISMO E DIREITO À MEMÓRIA

PUTATIVISMO E DIREITO À MEMÓRIA

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Redação josef.santos

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Andei meio sumida por aqui, mas acho que agora a coisa se regularizou e vou voltar com tudo. O motivo do sumiço, pelo menos, é bom: fui contratada pelo Museu da Diversidade Sexual, aqui em São Paulo, no metrô República (o Museu fica dentro do metrô, conhecem? Só uma parte dele está aberta agora, mas ainda nesse semestre ele deve abrir inteiro), e virar CLT tradicional, 40h/semana, deu uma bagunçadinha na minha já caótica vida. Era um sonho que eu tinha, poder um dia me juntar à equipe do Museu e contribuir para que as questões LGBTI+ ganhem ainda mais reverberação, mas era algo que eu me imaginava fazendo senhorinha, quando acabasse o pique pra ficar viajando o país e o mundo em palestras e atividades culturais.

O sonho foi antecipado, no entanto, e daí agora estou adaptando meu corpo à nova realidade do trabalho, cavando brechas no dia a dia puxado para conseguir voltar a escrever minhas colunas e perturbar vocês com minhas reflexões putafeministas. Seja como for, parece que já estou em condições de voltar à ativa nessa frente, que é tão importante para mim.

Bom, a vida ficou então bem mais corrida, mas a minha entrada no Museu, no cargo de coordenadora de exposições e programação cultural, terá seu lado positivo para o putativismo, porque será um espaço a mais em que poderei atuar, trazendo essa pauta que é tão central na minha trajetória para dentro das ações construídas por mim lá. Afinal, diversidade sexual não pode, em hipótese nenhuma, abster-se de discutir trabalho sexual, não é mesmo? Sejam as pessoas que o exercem cis ou trans, homens ou mulheres.

Direito à memória na comunidade de profissionais do sexo

E já que agora estou trabalhando diretamente com memória, quero aproveitar o ensejo para pensar sua importância no âmbito do putativismo, da comunidade de trabalhadoras(es) sexuais. Memória, em primeiro lugar, é direito, não privilégio. Não importa o grupo do qual façamos parte, é preciso entendermos o papel da memória em forjar quem somos, quem podemos ser. Figuras que nos antecederam, coletivos pioneiros, fatos marcantes… quais os nomes e os momentos incontornáveis da história do Brasil, se trabalhadoras(es) sexuais escrevessem essa história a partir de sua perspectiva?

A minha impressão é que esse trabalho de resgate histórico da prostituição no Brasil permanece ilhado na Academia, pouco dialogando com a nossa comunidade. As mais próximas da militância sabem quem foi Gabriela Leite e Lourdes Barreto, fundadoras do movimento organizado, também têm uma vaga noção de como e quando esse movimento começou, certamente se lembram de um ou outra trabalhadora sexual mais midiática, talvez se lembrem ainda que o trabalho sexual foi reconhecido como trabalho pela Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho, mas capaz que sua memória empaque aí. E isso porque estamos falando das mais próximas da militância.

Pouco sabemos da realidade do trabalho sexual em outros momentos da história do Brasil, da forma como a legislação foi se transformando, dos nomes de trabalhadoras(es) importantes mesmo do passado próximo, mesmo nos espaços em que atuamos. É urgente nos debruçarmos sobre essa história, forjarmos nossas próprias versões da história, sem ficarmos reféns de estudioses não profissionais do sexo para termos acesso a ela.

Clube de leitura putafeminista

Nesse sentido, uma primeira ação que eu e Monique Prada estamos articulando é o clube de leitura putafeminista, para nos debruçarmos sobre as autobiografias de profissionais do sexo atuantes nas mais variadas modalidades, de várias gerações e origens. Partiremos da história que elas, às vezes sozinhas, às vezes em coautoria, escreveram para conhecer melhor a realidade do trabalho sexual no país e, junto, começarmos a pensar a história da comunidade em nossas próprias palavras. Proposta ousada, mas não faltarão esforços para vê-la ganhando corpo. Esses são meus votos para 2024.

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