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Saúde mental e trabalho sexual: quais as maiores dificuldades

Saúde mental e trabalho sexual: quais as maiores dificuldades

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Redação josef.santos

4 minutos de leitura

Todas as profissões trazem desafios e dificuldades que nos colocam em situações emocionalmente difíceis, isso é fato, mas também devemos levar em conta toda a subjetividade de cada pessoa, suas experiências de vida, valores morais, criação, religião, e por aí vai. Sabendo disso, fica claro que cada pessoa vai sentir e reagir a uma mesma experiência, de formas diferentes, certo? Trago essa reflexão para entendermos o quanto cada profissional do sexo vivencia sua profissão de forma diferente, e que não há jeito certo ou errado, nem melhor ou pior, tudo depende do contexto de cada um. E aí entra a tão comentada “saúde mental”.

Algumas pessoas decretam que toda pessoa que trabalha com sexo está fadada à depressão, abandono e coisa pior, outras acham que somos todas ricas, interesseiras e crescemos sem pai. Bancar o Freud e tentar explicar e prever coisas sobre a vida de alguém que tudo que você conhece, você viu em “Verdades Secretas” é um baita erro, e para desmistificar isso trouxe algumas questões mais reais sobre as dificuldades que enfrentamos, do ponto de vista psicológico, sendo acompanhantes.

Carência

Todo mundo é carente de alguma coisa, não necessariamente o carinho propriamente dito. Pense numa chaleira cheia de água quente, se você apenas encher uma xícara e não repor e aquecer mais água, uma hora ela acaba, certo? Nós somos do mesmo jeito. Damos aquilo que temos, mas também precisamos receber. Quando vamos atender um cliente, além do prazer sexual, oferecemos atenção, carinho, precisamos ouvir, às vezes esperam de nós até conselhos, temos que estar bem humoradas e fisicamente dispostas, você vê o quanto nós temos que dar? (com o perdão do trocadilho), o que comparado ao que nós recebemos, nos transforma em chaleiras vazias muito rápido, e para nos “enchermos”, acabamos nos envolvendo em relações abusivas, amizades tóxicas, abandonamos nossos valores e deixamos de lado nossas necessidades, para caber em qualquer lugar que nos ofereça algumas “gotas de água” de qualquer coisa.

Não merecimento

Sentir que não merecemos sermos amados é comum a muita gente, independente da profissão. Acaba que isso vem muito mais das nossas experiências de vida do que do trabalho, mas ele pode sim agravar as coisas. A pessoa que já tem tendência a sentir o risco iminente de ser deixado, quando é profissional do sexo, vivendo numa sociedade moralista como a nossa, tem a tendência a sentir isso de forma ainda mais marcante. Ouvimos com frequência as frases “deve ser difícil pra quem for se relacionar com você”, ou ainda “mas e você consegue ter uma relação com sua família numa boa?”. Ou seja, já é esperado que sejamos sozinhos, o que só reforça uma crença pré existente, e nos convence de que não somos bons o suficiente para ninguém.

Vida dupla

Ser profissional do sexo e manter isso no anonimato ainda é a realidade mais comum dentro deste mercado, o que é extremamente trabalhoso e psicologicamente cansativo. Pense em quantas vezes no dia você comenta algo sobre seu trabalho. Agora pense se não pudesse fazer isso, ou tivesse que inventar algo a respeito sempre que o assunto surgisse. Nosso trabalho também é parte do que somos, e manter uma mentira desse tamanho causa um enorme desgaste emocional, e ainda confirma a crença de que estamos fazendo algo errado, sujo e imoral. E com todo esse sentimento, a autoestima vai abaixo de zero, e você passa a aceitar que não merece nada de bom, nem mesmo respeito.

Ninguém me ama, ninguém me quer

E ninguém vai me aceitar também. Esse sentimento claro que não vem só da profissão, nosso trabalho só acaba por confirmar ou agravar algumas percepções que já tínhamos antes, que estão enraizadas na sociedade preconceituosa e hipócrita que vivemos, e que infelizmente não conseguimos passar ilesos sem sermos minimamente influenciados.

A mulher, principalmente, passa muito por isso quando vive sua sexualidade intensamente, agindo exatamente igual a muitos homens. Somos, independente da profissão, taxadas de putas (mesmo não cobrando $), mulheres fáceis e que só servem pra uma noitada. Se você for então uma mulher que faz isso tudo e tira vantagem financeira dessa situação, é certeza que nenhum homem vai te querer.

Como evitar tudo isso?

Queria eu dar uma receita de bolo infalível aqui, mas infelizmente se tratando de saúde mental, assim como tudo relacionado ao nosso psicológico, vai depender de cada um. Mas talvez o mais próximo que podemos chegar de uma receita universal, por assim dizer, seja o tão sonhado amor próprio. Na nossa profissão, se ver como empresa, ter horários, entender que clientes não devem entrar na vida pessoal, e que precisamos ter folga e lazer que não envolvam trabalho, é de suma importância. Procurar conviver com pessoas de meios sociais que não só do trabalho, ter objetivos, apreciar a própria companhia e, principalmente, fazer terapia, pode te ajudar muito, aliás independente da sua profissão.

“Vocês devem passar cada coisa”

Depois de todo esse drama (às vezes é necessário), quero te dizer que essas não são realidades obrigatórias a todas as acompanhantes, mas são possibilidades comuns. É parte do senso comum acharem que “passamos cada coisa” nos atendimentos, sempre com homens cruéis, violentos e sujos, e esquecem-se de todo o resto que enfrentamos, e que talvez passaríamos em qualquer trabalho. Muitos profissionais concordam comigo quando digo que a parte mais difícil do atendimento não é lidar com o cliente diretamente, algumas pessoas até se preocupam conosco. Mas quero te tranquilizar e ao mesmo tempo te preocupar com a seguinte mensagem: nós ficamos com esses homens apenas 1h ou pouco mais, por dia, uma vez por mês… vocês ficam com estes mesmos homens todo o resto do tempo, quem é cruel dentro de um quarto de motel, é cruel fora dele também, seja um cliente, um marido, um amigo ou colega.

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