Maio de 2024 é (no presente, pois escrevo esse texto vivendo uma das maiores tragédias do nosso país) e em breve terá sido um mês muito marcante na vida dos brasileiros, em especial ao povo gaúcho que enfrenta a maior enchente da sua história. E eu estou passando por tudo isso como mulher, como mãe, como filha de um pai que esteve desaparecido, mas foi encontrado, como amiga e também como acompanhante. Todos minimamente informados acompanharam a mídia, sendo ou não do RS, e é possível ter noção do que enfrentamos. Não, na verdade não é.
Só quem viveu os dias de terror que ainda nos assolam tem ideia da angústia, das ruas, casas, comércios e até prédios tomados por água, da escuridão de um centro que sempre foi difícil de andar de tanta gente pelas ruas e hoje segue sendo habitado somente por barcos de resgate. Nós tendemos a pensar e tentar imaginar a realidade vivida por diversas pessoas, mas nem sempre conseguimos. E diante disso tudo me perguntei: será que alguém parou para pensar nas trabalhadoras sexuais?
Muitas trabalhavam nas ruas hoje confundidas com rios, algumas tiveram até jacaré nadando. Famílias que ficaram sem a renda trazida por essas profissionais, locais de atendimento destruídos, o ganha pão de pessoas que já são invisibilizadas pela sociedade e numa situação como essa, não são nem lembradas.
“Aproveita a oportunidade e muda de vida, vai ver foi sinal divino”. Teve gente ouvindo essa frase ao chorar de desespero por pensar como alimentar os filhos nos próximos meses. O trabalho sexual movimenta a economia e sustenta a vida de muita gente, seja da profissional que você vê na rua, no privê, na boate ou no site. Muitas delas bancam famílias inteiras, pagam escolas, tratamentos médicos, viagens, estudos, comida. Para onde vão essas mulheres em situações de tragédias como essa que assolam o estado inteiro? Ninguém pensa. Mas a gente que está nessa profissão, ah, a gente pensa, 24 horas. A gente pensa por nós e pensa também pelas colegas.
Mesmo eu que me considero privilegiada dentro desse mercado, escrevo esse texto na madrugada de uma quarta-feira após dias sem trabalhar e sem uma perspectiva de quando voltarei. Pouca gente sabe do lado prático da coisa, mas ao menos se tratando da realidade de quem trabalha anunciando em sites, nossos clientes costumam ser homens de estados e regiões diferentes, só aí, quando estamos falando de uma cidade quase totalmente inacessível, já nos bate o desespero. De onde virão nossos clientes? A maioria deles, os poucos que estão aqui e costumam nos contratar, estão com suas famílias, às vezes salvando gente, sendo voluntários ou apenas desesperados.
É verdade também que em situações de calamidade pública onde as pessoas entram em pânico, é comum, principalmente homens, usarem o sexo como válvula de escape. “Ah, mas então não faltará trabalho”. E nós? Como ter psicológico para pensar em dar prazer, em criar um ambiente acolhedor e deixar uma pessoa totalmente estranha à vontade quando tudo que você pensa é se seus familiares estão a salvo, se sua casa estará de pé amanhã, se você não adoeceu depois de passar por uma água contaminada, se você vai sobreviver. Difícil. Quase beira o impossível. E só é quase, porque além disso tudo temos a preocupação de contas para pagar, comida para pôr na mesa, uma vida para reconstruir.
Hoje, 15 de maio, li uma notícia que dizia “O Guaíba baixou 15 centímetros”, isso falando de mais de 5 metros de altura de inundação. Nunca achei que poucos centímetros me fariam tão feliz. Diante da comoção a nível internacional onde vemos diariamente chegarem tantas doações, eu gostaria de te pedir mais uma: RESPEITO.
Vejo gente caçoando da situação atual das profissionais do sexo no RS. Ajude também reavaliando seus preconceitos, seus achismos daquilo que é ou não imoral. Enxergue todo ser humano como alguém digno, independente da profissão que exerce ou seja lá qual for a diferença que ele tem frente à sua realidade. Doe comida, doe roupas, água, dinheiro, doe trabalho voluntário, mas acima de tudo, dê todo respeito e compaixão que você puder. A mulher que ficava naquela esquina que hoje alagou, pode ser a mesma que um dia vai te servir um prato de comida em um abrigo em meio a uma tragédia.
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