“ALERTA DE SPOILER, mas convenhamos, se você ainda não viu esse filme, você vive o cinema de forma errada. Quando as pessoas pensam em filmes românticos antigos (nem tanto, é de 1990), Uma Linda Mulher, ou Pretty Woman originalmente, é um dos mais mencionados. É um filme que acho lindo, romântico e divertido, mas hoje, vivendo no contexto que vivo, semelhante ao da protagonista Vivian, vivida pela estrela Julia Roberts, já que temos a mesma profissão, passei a ter um olhar mais analítico. Mas calma que não vim aqui problematizar essa obra do cinema, apenas passei a refletir sobre algumas cenas e o enredo, sobre coisas que eu não havia me dado conta antes, e talvez você também não.
A Prostituta inteligente
Infelizmente a mulher que é profissional do sexo vive o estigma de ser burra, não saber falar e não ter educação, nem aquela vinda dos pais e nem a escolar. No filme, Vivian demonstra ser o oposto disso. Eu diria que até mais inteligente que a amiga. Ela chega a mencionar que tirava boas notas na escola. É uma mulher que sabe se portar, mas estranhamente também demonstra isso só quando está “vestida como uma dama”. Repare que Vivian, quando está com Edward, personagem de Richard Gere com quem faz par romântico, tem um comportamento geralmente muito educado e discreto. Diferente de como se porta usando suas roupas de trabalho, reforçando o estereótipo que a mulher, enquanto prostituta, não sabe se comportar. E veja bem, estou trazendo isso com olhar analítico. Dito isso, vamos seguir para outras observações.
A personagem se defende, a mulher não
Uma das cenas de Uma Linda Mulher que, para quem assistiu, mais causa nojo, é quando o amigo de Edward, durante um jogo de polo, dá a entender que para estar com ela basta pagar, lhe faltando totalmente com o respeito. E ela fica sem ação. Depois disso, ela comenta com Edward que “se estivesse vestida com suas roupas de trabalho ela saberia se defender”. Pensando nessa frase, notei o quanto eu já passei por situações semelhantes à da personagem de Julia Roberts. Inúmeras foram as vezes onde eu “congelei” e me constrangi com comentários vindos de homens.
Mas eu, enquanto acompanhante, sempre soube me defender. E olha que no meu caso as roupas são as mesmas. Ou seja, não é sobre isso. É sobre porque precisamos estar num lugar de controle para conseguirmos reagir ao abuso. E não conseguirmos tomar essa atitude naturalmente. Ao contrário do que pensam, muitas profissionais do sexo se sentem mais empoderadas e sentem menos medo dos homens enquanto trabalhadoras sexuais do que como “damas da sociedade”.
O Salvador
A figura do homem que salva a donzela em perigo está presente tão fortemente na nossa sociedade que já saiu dos livros infantis faz tempo. Na verdade, essa figura saiu da realidade para os livros, e não o contrário. No filme, Edward claramente salva Vivian. A começar por lhe conseguir o dinheiro do aluguel, o que até aí é ótimo, foi o pagamento pelo trabalho dela. Mas isso ganha outra perspectiva quando o enredo claramente atribui a ele a mudança de vida de Vivian, seja pelo dinheiro ou por mostrar “a vida que ela poderia ter se tivesse outra profissão”.
A figura do Salvador é tão presente que, ao final do filme, ele aparece em seu “cavalo branco”, que no caso é uma Limousine. E sua espada é substituída por um guarda-chuva. Então ele sobe as escadas até chegar ao último andar da janela de Vivian para “resgatá-la”, como ela havia comentado que era seu sonho de infância. E mais uma vez, não estou problematizando o filme nem a mulher que sonha com o príncipe encantado. Mas pense nisso levando em conta o contexto dos personagens.
Como você quer ser tratada?
A cena icônica de Vivian indo fazer compras, ao som da música Pretty Woman, é a favorita de muitos espectadores, inclusive eu. Mas hoje te provoco a pensar nela de outra forma. Porque claramente TODAS as pessoas tratavam Vivian sem nenhum respeito enquanto ela estava com suas roupas de trabalho? Poucas pessoas na trama tiveram essa sensibilidade, quase ninguém. A mensagem que isso passa é “é assim que você vai ser tratada se for uma prostituta, se não gostou, então não seja”. Quem deveria mudar? O filme aponta que Vivian, estando com a “roupa certa”, vai conseguir respeito. Ou seja, o respeito não é um direito de todos. Para tê-lo, você precisa se encaixar no que os outros acham o correto. E mesmo com tudo isso tão explícito, a maioria de nós não percebe a gravidade da mensagem transmitida.
Nós, acompanhantes, independente do que vestimos, de como falamos, se amamos ou não o nosso trabalho, merecemos e temos direito ao respeito. Da “Vivian que faz ponto” à “Vivian que vai à ópera”, ambas são seres humanos dignos e merecedores de respeito.”
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