Estava esses dias passeando aleatoriamente pelo meu feed do Instagram quando um post da acompanhante, escritora e ativista londrina Marin Scarlett me chamou a atenção. Ele encaminhava para um texto cujo título, ‘Trabalhadoras sexuais se parecem comigo e contigo’, me chamou a atenção e me remeteu ao mesmo tempo a uma série de situações interessantes pelas quais passei ao longo do meu tempo neste mercado.
Marin aponta para a dificuldade que não apenas políticos e ativistas de outras áreas têm de enxergar nela uma pessoa que exerce trabalho sexual, mas como também muitas vezes amigos e pessoas do seu círculo sexual têm essa dificuldade. Que por ser uma pessoa bastante convencional e de hábitos simples, sua atividade passa desapercebida e muitas vezes, desacreditada, e o quanto isso é fruto do estigma sobre nossa atividade e estereotipização das trabalhadoras do meio.
Quando comecei na atividade, lembro que um dos termos mais usados nos anúncios, e posteriormente nos sites, era ‘diferenciada’. Também anunciar que exercia uma outra atividade, como se a prostituição fosse apenas uma diversão com renda extra, era comum – mas logo sindicatos de algumas categorias chiaram, e anúncios como ‘enfermeira sexy com tardes livres’ ou ‘professora linda disponível para ti nas horas vagas’ desapareceram da nossa querida seção de acompanhantes da Zero Hora. Mas o ‘diferenciada’ ficou, acrescido do ‘universitária’. Realmente podia parecer mais tranquilo, seguro e até alentador a ideia de se contratar ‘alguém com quem se pode conversar’, mas a verdade é que embora sim, houvesse quem usasse de seus rendimentos para pagar faculdade, ‘universitária’ era muito mais uma categoria em site que não exigia vestibular e matrícula mas aparência jovial e boa conversa mesmo.
É interessante como o surgimento dos anúncios de jornais e na sequência, o advento da Internet, ao mesmo tempo que criou outras possibilidades para o exercício do trabalho sexual, criou essa ideia da profissional ‘tão discreta e cheia de talento’ que ‘nem parece’.
Mas em certo sentido, isso é uma faca de dois gumes, essa diferenciação entre quem parece ou não uma trabalhadora sexual. Por que ao mesmo tempo que se tem o avanço de novas tecnologias privilegiando o exercício mais seguro e tranquilo da atividade – o que permitiu que mulheres como eu, tímidas demais para o trabalho nas ruas e boates, entrassem na atividade com o mínimo de exposição – as boates, esquinas e espaços mais precários seguem existindo. Essas mulheres, a quem Soila Mar, profissional do sexo e ativista do NEP, chama de ‘a nossa base’, seguem super expostas ao estigmatizado enquanto exercem sua atividade, ainda que mesmo sobre elas, fora do horário de trabalho, não se possa dizer diferentes de mulheres de outras atividades. E o estigma de puta enquanto segue existindo, e sendo reforçado, ele afeta de um modo ou outro a todas as mulheres.
Uma trabalhadora sexual se parece comigo ou contigo, por isso se eu não disser nada, você não saberá com o que trabalho. E então, quando comecei no ativismo, quando deixei de apenas escrever sobre o tema e decidi aparecer, as pessoas me viam como advogada, assistente social, alguém da saúde – e eu surpreendia me apresentando como prostituta, o que trazia certo choque ao mesmo tempo que quebrava tabus e dava uma sacudida na visão estereotipada que as pessoas têm sobre nós.
Hoje, anos depois, vejo com felicidade um número grande de pessoas se declarando profissionais do sexo – sobretudo mulheres -, escrevendo sobre suas vivências e fazendo questão de dar a cara a tapa, ao menos nos países onde a atividade não é totalmente criminalizada. Ainda assim, persiste essa dificuldade de enxergar as acompanhantes sem o véu do estereótipo.
Marin diz em seu texto:
“Acho que o trabalho sexual é tão estigmatizado e tão diferenciado que raramente ocorre às pessoas que as trabalhadoras do sexo podem ser suas amigas, suas colegas, aquela pessoa sentada à sua frente no trem ou atrás delas na fila do caixa. “As trabalhadoras do sexo estão por toda parte”, diz a linha de abertura de Revolting Prostitutes. “Alguém que você conhece é trabalhadora do sexo”, fizeram campanha Rachel Schreiber e Barbara DeGenevieve. “Alguém que você ama é uma profissional do sexo”, disse Valerie Scott em seu Ted Talk. Porque as pessoas parecem realmente precisar ser informadas sobre isso.”
E é assim que encerro esse texto. Se você segue acreditando que nunca conversou com uma trabalhadora sexual, preste atenção à sua volta. Nós estamos em todos os lugares, não somos seres das sombras. Certamente alguém de suas relações exerce ou já exerceu trabalho sexual. Por que assim que é: estamos em toda a parte e nos parecemos com você.
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